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“Marcha das Mulheres Negras” | Brasil: Por reparações e uma boa vida

“Marcha das Mulheres Negras” | Brasil: Por reparações e uma boa vida
Milhões de brasileiros ainda vivem nos “Quilombos”, as aldeias de resistência dos escravos fugitivos.

O Movimento Negro Unificado (MNU) foi fundado em 1978, no auge da ditadura militar brasileira. Quais foram as condições em que isso aconteceu?

Era mais ou menos proibido falar sobre racismo no Brasil. Os militares alegavam que as "raças" coexistiam harmoniosamente. O MNU surgiu inicialmente como um movimento antidiscriminação. Somente após o assassinato de um jovem negro em uma delegacia de polícia é que o MNU se viu como um espaço para a auto-organização negra. Uma experiência marcante foi que, embora todos os esquerdistas tenham sido afetados pela ditadura, os negros não eram tratados como presos políticos. Por isso, dissemos desde o início que todo preso é um preso político. A desigualdade sistemática e a falta de políticas sociais são responsáveis ​​pelo fato de tantos negros estarem presos.

A repressão estatal – polícia, judiciário e prisões – desempenhou um papel central no movimento negro brasileiro desde o início?

Com certeza. Uma grande parte da população carcerária brasileira é negra ou parda, e é por isso que a luta pelas prisões é uma questão central no movimento antirracista. Em São Paulo, por exemplo, fundamos a AMPARAR, uma organização não governamental que mobiliza amigos e familiares de presos. A reivindicação abolicionista pela abolição das prisões é muito difundida aqui. Há também inúmeros grupos que lutam por diferentes políticas de drogas. Porque a criminalização das drogas é o instrumento usado para encarcerar pessoas negras.

Qual a posição do feminismo negro? Você está atualmente se mobilizando para uma "Marcha das Mulheres Negras" na capital, Brasília.

Sim, a Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver pretende levar um milhão de mulheres às ruas até o final de novembro. É a segunda marcha do gênero, depois da de 2015. E a questão da polícia e das prisões também desempenha um papel importante na marcha. O número de mulheres encarceradas no Brasil sextuplicou nos últimos dez anos.

Em qual tradição histórica você vê essas lutas?

Quando foi fundado em 1978, o MNU foi profundamente inspirado pelos movimentos anticoloniais de libertação africana e pelo movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, a maioria de seus membros fundadores vinha de grupos marxistas. Eram jovens influenciados por figuras como Malcolm X e o movimento antiapartheid sul-africano. Havia dois motivos principais para a fundação do MNU: a morte de um homem negro de 20 anos que havia sido preso e torturado até a morte pela polícia por roubar frutas do mercado, e a discriminação racista contra um time esportivo que foi banido da piscina de um clube. As principais reivindicações do MNU permaneceram praticamente as mesmas desde então: a luta contra a opressão específica das mulheres negras, por igualdade salarial, o fim da discriminação contra negros na mídia e a solidariedade internacional. Acredito que o MNU também teve uma influência bastante significativa no movimento feminista no Brasil, que na década de 1970 era representado principalmente por mulheres brancas de classe média. Sua reivindicação mais importante era a integração das mulheres no mercado de trabalho. Para as mulheres negras, que sempre foram obrigadas a trabalhar por salários, isso era, claro, uma piada. O MNU desempenhou um papel significativo na divulgação de textos de feministas negras como Angela Davis, Lélia Gonzalez e Luiza Bairros na década de 1980.

E quanto às lutas que remontam a tempos mais remotos — ou seja, a resistência contra a economia de plantation? No Brasil, existe a tradição dos quilombos — aldeias de resistência fundadas por escravos fugitivos, algumas das quais ainda existem hoje.

Os quilombos são um ponto de referência muito importante para nós. Mesmo segundo dados oficiais, existem hoje 8.000 quilombos no Brasil, com uma população de mais de um milhão de pessoas – em todo o país, desde a fronteira com o Uruguai, ao sul, até a Amazônia, ao norte. Durante os quase quatro séculos de escravidão, alguns quilombos conseguiram se defender com armas por muitas décadas. Mas essa não foi a única forma de resistência. Por exemplo, houve sociedades abolicionistas que foram fundadas para comprar a liberdade dos negros. Essas formas muito diferentes de resistência garantiram que dois terços dos negros já estivessem livres quando a escravidão foi abolida no Brasil, em 1888.

Na Europa, um antirracismo liberal que enfatiza a integração e a representatividade e ignora amplamente as condições materiais ganhou força na última década. Quais são as principais reivindicações do movimento negro no Brasil?

Acredito que a reivindicação mais importante hoje seja o direito à vida. O poder do Estado é tão extremo, a ameaça cotidiana é tão grande, que permeia todas as áreas. Nesse sentido, por exemplo, não falamos de crise climática, mas de racismo ambiental, porque a população negra e pobre das periferias é muito mais afetada pela destruição ecológica do que a população rica. Eu diria que temos uma compreensão ampla do antirracismo: apoiamos cotas nos setores público e privado, mas, ao mesmo tempo, nos preocupamos com saúde pública, educação e moradia. Uma reivindicação emblemática, que também está no cerne da Marcha das Mulheres em novembro, é a reivindicação por reparações. Há duas posições principais sobre isso hoje: alguns calcularam o valor da indenização a que cada pessoa negra tem direito em decorrência da escravidão. Mas essa não é a posição do MNU. Acreditamos que nenhuma quantia de dinheiro pode compensar as consequências da escravidão e seus efeitos estruturais. Para nós, o foco é responsabilizar os Estados que lucraram com a escravidão. A desigualdade estrutural precisa ser transformada – internacionalmente, entre os países ricos e a África, e nos países da diáspora, a discriminação estrutural contra os negros precisa ser combatida. Por isso, o lema da Marcha das Mulheres é: por reparações e uma vida digna.

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